quinta-feira, 28 de maio de 2009

Que país é este?


Acabei de reassistir a uma entrevista do Zeca Camargo, de quando ele ainda trabalhava na MTV, com o Renato Russo, em 1993. Lembrei das críticas que já ouvi sobre as músicas da Legião Urbana, sobre as letras, mais precisamente. Sempre batem na mesma tecla: a música é depressiva. O que não percebem é que não dá pra ser feliz e conformado o tempo todo.

Claro que há músicas extremamente positivas na discografia da Legião, e eu até arrisco dizer que são a maioria. Mas alguns discos foram gravados em momentos problemáticos e expressavam de uma forma bastante realista o que acontecia com a sociedade. Renato achava, e ele diz isso nessa entrevista, que se só cantasse sobre coisas boas, seria muito irreal. Mas é isso que algumas pessoas fazem. Não perceber o que acontece com o mundo, ou pelo menos não ser afetado por isso, é brincar de viver no céu, fechar os olhos para o sofrimento e fazer de conta que está tudo bem.

E aí vêm a televisão e os jornais que insistem em banalizar toda essa violência, e nos acostumamos com crianças jogadas de prédios, com chacinas de meninos, com pais abusando de filhos, fome, miséria e destruição sem sentido. Tenho, então, a impressão de que o nosso senso de escândalo é medido em número de mortos ou em brutalidade. Só nós chama a atenção se é fora do comum, como 500 pessoas morrendo em um suicídio coletivo ou quando a filha decide matar os pais com a ajuda do namorado. E o pior, nossa medida aumenta: o que nos impressiona hoje, é banal amanhã, como se tivessemos essa sede pela tragédia nos coliseus particulares da nossa mentalidade doente.

Os séculos XIX e XX, enfim, deveriam ser os século de ouro para o mundo. Havia uma ansiedade para se saber se todos aqueles ideais que conquistamos com o iluminismo e com a revolução francesa teriam algum efeito. Era para vermos séculos de paz e de segurança, mas o que era nacionalismo romântico tornou-se em causa das aberrações que vimos em duas guerras mundias e mais de dois mil conflitos mortais que até agora vemos com naturalidade pelas lentes da CNN e do Jornal Nacional. Foi assim no XX e não se espera mais nada diferente no XXI.

Eu sei que também serei rotulado de pessimista. Sou pessimista se pessimismo for negar a insanidade da lucidez cega. A vida tem o que é belo aprendo a apreciá-lo. Mas não digam que por causa disso devo vendar os meus olhos.

Até bem pouco tempo atrás, poderíamos mudar o mundo. Quem roubou nossa coragem?" (R.M.J.)


*Termino com a melhor música escrita pelo Renato, na minha humilde e leiga opinião:
Para assistir a um vídeo com a música, clique aqui.

Perfeição
(Comp. Renato Manfredini Jr.)

Vamos celebrar a estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja de assassinos
Covardes, estupradores e ladrões...

Vamos celebrar a estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso estado que não é nação.

Celebrar a juventude sem escolas
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião.

Vamos celebrar Eros e Tanatos
Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade.

Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por faltade hospitais.

Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas, mentiras
E seqüestros.

Nosso castelo de cartas marcadas
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda a hipocrisia e toda a afetação
Todo roubo e toda indiferença
Vamos celebrar epidemias
É a festa da torcida campeã.

Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar o coração.

Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado de absurdos gloriosos
Tudo que é gratuito e feio
Tudo o que é normal
Vamos cantar juntos
O hino nacional
A lágrima é verdadeira
Vamos celebrar nossa saudade
Comemorar a nossa solidão.

Vamos festejar a inveja
A intolerância a incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente
A vida inteira
E agora não tem mais
Direito a nada...

Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta
De bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isto
Com festa, velório e caixão
Tá tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou
Essa canção.

Venha!
Meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão
Venha!
O amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha!
Que o que vem é Perfeição!...

2 comentários:

Maris Morgenstern disse...

Legiao é algo atemporal né...
acho que até minhas aluninhas em alguns anos chegarão a um momento em que ninguém mais q legiao caberá. E isso que faz do Renato ser quem foi e quem é, ele nao se prendeu ao seu tempo, à sua década.

Maria disse...

Realmente, é isso que comemoramos. Isso é tão detestável =(