sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Vestibular (Ferreira Gullar)

Paulo Roberto Parreiras
desapareceu de casa
trajava calças cinza e camisa branca
e tinha dezesseis anos.
Parecia com teu filho, teu irmão,
teu sobrinho, parecia
com o filho do vizinho
mas não era. Era Paulo
Roberto Parreiras
que não passou no vestibular

Recebeu a notícia quinta-feira à tarde,
ficou triste
e sumiu.
De vergonha? De raiva?
Paulo Roberto estudou
dura duramente
durante os últimos meses.
Deixou de lado os discos,
o cinema,
até a namoradinha ficou sem vê-lo.
Nem soube do carnaval.
Se ele fez bem ou mal
não sei: queria
passar no vestibular.
Não passou. Não basta
estudar?

Paulo Roberto Parreira
a quem nunca vi mais gordo,
onde quer que você esteja
fique certo
de que estamos do seu lado.
Sei que isso é muito pouco
para quem estudou tanto
e não foi classificado (pois não há mais
excedentes), mas
é o que lhe posso oferecer: minha palavra
de amigo
desconhecido.
Nessa mesma quinta-feira
em Nova York morreu
um menino de treze anos que tomava entorpecentes.
em S.Paulo, outro garoto
foi preso roubando carros.
E há muitos que somem
ou surgem como cometas ardendo em sangue, nestas noites,
nestas tardes,
nesses dias amargos.

Não sei pra onde você foi
nem o que pretende fazer
nem posso dizer que volte
para casa,
estude (mais?) e tente outra vez.
Não tenho nenhum poder,
nada posso assegurar.
Tudo que posso dizer-lhe
é que a gente não foge
da vida,
é que não adianta fugir.
Nem adianta endoidar.
Tudo o que posso dizer-lhe
é que você tem o direito de estudar.
É justa sua revolta:
seu outro vestibular.

3 comentários:

Maris Morgenstern disse...

OOOOLHA QUEM VOLTOU A POSTAR...

Bruninha disse...

Não adianta fugir da vida, nem adianta endoidar..
Resta estudar. rs


Que bom que esté de volta!!

samuel disse...

Comecei a ler seu blog ontem, por indicação de um prezado amigo e colega de trabalho, o professor João Pedro da Silveira.
Seus escritos agradaram-me de imediato.
E como faço sempre que encontro alguém afiado em argumentos tento estabelecer diálogo.

Li em um post logo abaixo o rechaçar dos críticos das religiões que não levam em conta tantos atos louváveis que as religiões promovem. Mas o que dizer de argumentos como o que leio ainda há pouco clicando em um link aqui do seu blog, cito na íntegra:

"Depois de ler este texto, responda: Do ponto de vista naturalista, o que o lavrador fez foi errado? A que código superior se pode recorrer, nesse caso? Às mutáveis leis dos homens? Quando Deus e Sua lei são esquecidos, o que sobra? No mundo animal, reprodução entre pais e filhos não é normal? O lavrador e a filha não são simples animais racionais? O lavrador não estava simplesmente obedecendo a um imperativo genético (do “gene egoísta” que só pensa em sua propagação)? E agora, José? Os evolucionistas deveriam fazer uma campanha para soltar José.[MB]" Fonte:http://criacionista.blogspot.com/2010/06/nao-sabia-que-era-crime-diz-filha.html

O que dizer de quem usa argumentos escusos para misturar o ceticismo e o direito de não crer em lendas contos e mitos de origens diversas, umas até sabidamente desaconselháveis.
O que será pior?
Concordo contigo que a acusação gratuita às religiões, por puro prazer, por algum ressentimento talvez, seja inútil ou até danoso.

Mas o que fazem pessoas como o moderador deste site "criacionismo" soa-me como um reflexo de espelho, uma imagem invertida do mesmo objeto. Concomitante aos inquestionáveis atos de amparo feitos pelas religiões, vem o entrave de tantos avanços científicos que desde estabelecido o cristianismo como poder deliberativo na história, propõe covardes barreiras epistemológicas.

Se nunca ninguém erguesse o braço contestando o poderio autointitulado divino das religiões você e eu ainda moraríamos em um mundo plano, e nossos romances descreveriam odisseias nos arredores da beirada do mundo.

As matracas sempre baterão por aí, e são legítimas. Não podemos censurar o direito de opinar nem mesmo aos mais incautos. Incautos estes que são os criticados por você, mas regozijemos o fato deles não irem à fogueira!